SANTA CASA 2018: 1ª Dia - Questão 19 e 20 Leia o trecho inicial do conto "Tempo da camisolinha", de Mário de Andrade, para respon...
SANTA CASA 2018: 1ª Dia - Questão 19 e 20
Leia o trecho inicial do conto "Tempo da camisolinha", de Mário de Andrade, para responder às questões 19 e 20.
A feiura dos cabelos cortados me fez mal. Não sei que noção prematura de sordidez dos nossos atos, ou exatamente, da vida, me veio nessa experiência da minha primeira infância. O que não pude esquecer, e é minha recordação mais antiga, foi, dentre as brincadeiras que faziam comigo para me desemburrar da tristeza em que ficara por me terem cortado os cabelos, alguém, não sei mais quem, uma voz masculina falando: “Você ficou um homem, assim!” Ora eu tinha três anos, fui tomado de pavor. Veio um medo lancinante de já ter ficado homem naquele tamanhinho, um medo medonho, e recomecei a chorar.
Meus cabelos eram muitos bonitos, dum negro quente, acastanhado nos reflexos. Caíam pelos meus ombros com cachos gordos, com ritmos pesados de molas de espiral. Me lembro de uma fotografia minha desse tempo, que depois destruí por uma espécie de polidez envergonhada... Era já agora bem homem e aqueles cabelos adorados na infância, me pareceram de repente como um engano grave, destruí com rapidez o retrato. Os traços não eram felizes, mas na moldura da cabeleira havia sempre um olhar manso, um rosto sem marcas, franco, promessa de alma sem maldade. De um ano depois do corte dos cabelos ou pouco mais, guardo outro retrato tirado junto com Totó, meu mano. Ele, quatro anos mais velho que eu, vem garboso e completamente infantil numa bonita roupa marinheira; eu, bem menor, inda conservo uma camisolinha de veludo, muito besta, que minha mãe por economia teimava utilizar até o fim.
Guardo esta fotografia porque se ela não me perdoa do que tenho sido, ao menos me explica. Dou a impressão de uma monstruosidade insubordinada. Meu irmão, com seus oito anos é uma criança integral, olhar vazio de experiência, rosto rechonchudo e lisinho, sem caráter fixo, sem malícia, a própria imagem da infância. Eu, tão menor, tenho esse quê estranho do anão, pareço velho. E o que é mais triste, com uns sulcos vividos descendo das abas voluptuosas do nariz e da boca larga, entreaberta num risinho pérfido. Meus olhos não olham, espreitam. Fornecem às claras, com uma facilidade teatral, todos os indícios de uma segunda intenção.
Questão 19 - Santa Casa 2018
a) Que ideias contraditórias coexistem na figura do anão, citado no terceiro parágrafo?
b) Que espécie de “engano grave” sobre o futuro do menino havia no retrato do menino ainda cabeludo?
Questão 20 - Santa Casa 2018
a) Cite dois termos do primeiro parágrafo, um formado por derivação sufixal e outro formado por derivação prefixal.
b) Transcreva um trecho do segundo parágrafo em que se verifica, em relação às normas gramaticais, um desvio de colocação pronominal. Em seguida, reescreva esse trecho, adequando-o à norma-padrão da língua portuguesa.
Questão anterior:
- Questão 17 e 18 - Leia o texto de Marilena Chaui para responder às questões.
Resposta Questão 19 - Santa Casa 2018
a) Na fotografia, em que o narrador era criança com os cabelos cortados, há a contradição entre a faixa etária infantil e o “risinho pérfido”, traiçoeiro, o qual dá a impressão de “monstruosidade insubordinada”, sem a ingenuidade e meiguice que se atribuem às crianças. O desequilíbrio do rosto e do corpo do menino com o olhar de “indícios de uma segunda intenção”, sórdido, é metaforizado pela palavra anão (“tenho esse quê estranho do anão, pareço velho”).
b) No retrato do menino cabeludo, notavam-se um “olhar manso”, “um rosto sem marcas”, uma perspectiva de “alma sem maldade”. Essa possibilidade de calma e pureza foi um “engano grave”, pois a fotografia posterior, em que a personagem já tinha os cabelos cortados, dá a impressão de “monstruosidade insubordinada”, de um aspecto traiçoeiro, em que há marcas da tensão da vida. Desfez-se, assim, o aspecto de pureza, e impôs-se uma impressão de agressividade dissimulada, que aniquila a imagem passada pela foto em que a personagem estava com os cabelos longos, e define o novo caráter da personagem.
Resposta Questão 20 - Santa Casa 2018
a) No primeiro parágrafo, como exemplo de palavras formadas por derivação prefixal, tem-se: feiura, sordidez, exatamente, brincadeiras, tristeza, tamanhinho. Formada por derivação prefixal, tem-se: desemburrar e recomecei.
b) O trecho em que se verifica um desvio em relação à norma gramatical é “Me lembro de uma fotografia...”. Reescrito em norma culta, tem-se: Lembro-me de uma fotografia...
Próxima questão:
- SANTA CASA 2018: 2ª Dia - Questão de 1 a 3.
- Leia o poema de Alberto de Oliveira para responder às questões de 01 a 03.
Leia o trecho inicial do conto "Tempo da camisolinha", de Mário de Andrade, para responder às questões 19 e 20.
A feiura dos cabelos cortados me fez mal. Não sei que noção prematura de sordidez dos nossos atos, ou exatamente, da vida, me veio nessa experiência da minha primeira infância. O que não pude esquecer, e é minha recordação mais antiga, foi, dentre as brincadeiras que faziam comigo para me desemburrar da tristeza em que ficara por me terem cortado os cabelos, alguém, não sei mais quem, uma voz masculina falando: “Você ficou um homem, assim!” Ora eu tinha três anos, fui tomado de pavor. Veio um medo lancinante de já ter ficado homem naquele tamanhinho, um medo medonho, e recomecei a chorar.
Meus cabelos eram muitos bonitos, dum negro quente, acastanhado nos reflexos. Caíam pelos meus ombros com cachos gordos, com ritmos pesados de molas de espiral. Me lembro de uma fotografia minha desse tempo, que depois destruí por uma espécie de polidez envergonhada... Era já agora bem homem e aqueles cabelos adorados na infância, me pareceram de repente como um engano grave, destruí com rapidez o retrato. Os traços não eram felizes, mas na moldura da cabeleira havia sempre um olhar manso, um rosto sem marcas, franco, promessa de alma sem maldade. De um ano depois do corte dos cabelos ou pouco mais, guardo outro retrato tirado junto com Totó, meu mano. Ele, quatro anos mais velho que eu, vem garboso e completamente infantil numa bonita roupa marinheira; eu, bem menor, inda conservo uma camisolinha de veludo, muito besta, que minha mãe por economia teimava utilizar até o fim.
Guardo esta fotografia porque se ela não me perdoa do que tenho sido, ao menos me explica. Dou a impressão de uma monstruosidade insubordinada. Meu irmão, com seus oito anos é uma criança integral, olhar vazio de experiência, rosto rechonchudo e lisinho, sem caráter fixo, sem malícia, a própria imagem da infância. Eu, tão menor, tenho esse quê estranho do anão, pareço velho. E o que é mais triste, com uns sulcos vividos descendo das abas voluptuosas do nariz e da boca larga, entreaberta num risinho pérfido. Meus olhos não olham, espreitam. Fornecem às claras, com uma facilidade teatral, todos os indícios de uma segunda intenção.
(Contos novos, 1999. Adaptado.)
Questão 19 - Santa Casa 2018
a) Que ideias contraditórias coexistem na figura do anão, citado no terceiro parágrafo?
b) Que espécie de “engano grave” sobre o futuro do menino havia no retrato do menino ainda cabeludo?
Questão 20 - Santa Casa 2018
a) Cite dois termos do primeiro parágrafo, um formado por derivação sufixal e outro formado por derivação prefixal.
b) Transcreva um trecho do segundo parágrafo em que se verifica, em relação às normas gramaticais, um desvio de colocação pronominal. Em seguida, reescreva esse trecho, adequando-o à norma-padrão da língua portuguesa.
Questão anterior:
- Questão 17 e 18 - Leia o texto de Marilena Chaui para responder às questões.
Resposta Questão 19 - Santa Casa 2018
a) Na fotografia, em que o narrador era criança com os cabelos cortados, há a contradição entre a faixa etária infantil e o “risinho pérfido”, traiçoeiro, o qual dá a impressão de “monstruosidade insubordinada”, sem a ingenuidade e meiguice que se atribuem às crianças. O desequilíbrio do rosto e do corpo do menino com o olhar de “indícios de uma segunda intenção”, sórdido, é metaforizado pela palavra anão (“tenho esse quê estranho do anão, pareço velho”).
b) No retrato do menino cabeludo, notavam-se um “olhar manso”, “um rosto sem marcas”, uma perspectiva de “alma sem maldade”. Essa possibilidade de calma e pureza foi um “engano grave”, pois a fotografia posterior, em que a personagem já tinha os cabelos cortados, dá a impressão de “monstruosidade insubordinada”, de um aspecto traiçoeiro, em que há marcas da tensão da vida. Desfez-se, assim, o aspecto de pureza, e impôs-se uma impressão de agressividade dissimulada, que aniquila a imagem passada pela foto em que a personagem estava com os cabelos longos, e define o novo caráter da personagem.
Resposta Questão 20 - Santa Casa 2018
a) No primeiro parágrafo, como exemplo de palavras formadas por derivação prefixal, tem-se: feiura, sordidez, exatamente, brincadeiras, tristeza, tamanhinho. Formada por derivação prefixal, tem-se: desemburrar e recomecei.
b) O trecho em que se verifica um desvio em relação à norma gramatical é “Me lembro de uma fotografia...”. Reescrito em norma culta, tem-se: Lembro-me de uma fotografia...
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- Leia o poema de Alberto de Oliveira para responder às questões de 01 a 03.
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