Texto para as questões de 20 a 24 . CAPÍTULO I ORIGEM, NASCIMENTO E BATIZADO Era no tempo do rei . Uma das quatro esquinas que for...
Texto para as questões de 20 a 24.
Era no tempo do rei. Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo - O canto dos meirinhos¹-; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração).
Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o círculo dentro do qual se passavam os terríveis combates das citações, provarás, razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais que se chamava o processo. Daí sua influência moral.
Mas tinham ainda outra influência, que é justamente a que falta aos de hoje: era a influência que derivava de suas condições físicas. Os meirinhos de hoje são homens como quaisquer outros; nada têm de imponentes, nem no seu semblante nem no seu trajar, confundem-se com qualquer procurador, escrevente de cartório ou contínuo de repartição. Os meirinhos desse belo tempo não, não se confundiam com ninguém; eram originais, eram tipos: nos seus semblantes transluzia um certo ar de majestade forense, seus olhares calculados e sagazes significavam chicana. Trajavam sisuda casaca preta, calção e meias da mesma cor, sapato afivelado, ao lado esquerdo aristocrático espadim, e na ilharga direita penduravam um círculo branco, cuja significação ignoramos, e coroavam tudo isto por um grave chapéu armado.
Colocado sob a importância vantajosa destas condições, o meirinho usava e abusava de sua posição. Era terrível quando, ao voltar uma esquina ou ao sair de manhã de sua casa, o cidadão esbarrava com uma daquelas solenes figuras que, desdobrando junto dele uma folha de papel, começava a lê-la em tom confidencial! Por mais que se fizesse não havia remédio em tais circunstâncias senão deixar escapar dos lábios o terrível - Dou-me por citado. -
Ninguém sabe que significação fatalíssima e cruel tinham estas poucas palavras! eram uma sentença de peregrinação eterna que se pronunciava contra si mesmo; queriam dizer que se começava uma longa e afadigosa viagem, cujo termo bem distante era a caixa da Relação, e durante a qual se tinha de pagar importe de passagem em um sem-número de pontos; o advogado, o procurador, o inquiridor, o escrivão, o juiz, inexoráveis Carontes², estavam à porta de mão estendida, e ninguém passava sem que lhes tivesse deixado, não um óbolo³, porém todo o conteúdo de suas algibeiras, e até a última parcela de sua paciência. Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias.
*Notas:
¹Meirinho: funcionário da justiça (semelhante ao atual oficial de justiça).
²Caronte: na mitologia grega, era o barqueiro que transportava para além dos rios Estige e Aqueronte as almas dos mortos.
³Óbolo: moeda com que as almas dos mortos pagavam os serviços do barqueiro Caronte.
QUESTÃO 21
(FGV-SP 2020) Um conhecido comentário a respeito das Memórias de um sargento de milícias afirma que a estrutura do livro é formada pela conjugação de duas “séries”: uma “série histórica”, na qual comparecem até mesmo pessoas reais, e uma “série mítica” ou “arquetípica”, da ordem dos contos da carochinha e do folclore, cujo caráter é sobretudo intemporal.
Entre os trechos do excerto, destacados abaixo, aquele em que a combinação dessas duas “séries” aparece de modo mais flagrante é o que está em:
A) “Os meirinhos desse belo tempo não, não se confundiam com ninguém”. (L. 18)
B) “Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei”. (L. 5)
C) “Era no tempo do rei”. (L. 1)
D) “– Dou-me por citado –“. (L. 30)
E) “Ninguém sabe que significação fatalíssima e cruel tinham estas poucas palavras”. (L. 30)
QUESTÃO ANTERIOR:
- (FGV-SP 2020) Observando-se a prosa do excerto, verifica-se que ela imita um estilo elevado, empertigado, que, no entanto, é ao mesmo tempo irônico e sarcástico, beirando o riso.
RESOLUÇÃO (Colégio Objetivo):
A frase inicial do texto, “Era no tempo do rei” combina, de um lado, o aspecto histórico, temporal, por se referir à época do Rei D. João VI no Brasil (1808-1821) e, de outro, o aspecto mítico, intemporal que lembra o início dos contos de fada: Era uma vez”.
GABARITO:
C) “Era no tempo do rei”. (L. 1)
PRÓXIMA QUESTÃO:
- (FGV-SP 2020) Infere-se do texto que o aparato judiciário nele figurado, na medida em que seu acesso é condicionado à posse de recursos financeiros, está a serviço, primordialmente, de uma determinada camada social.
QUESTÃO DISPONÍVEL EM:
- Prova FGV-SP 2020 (Administração) com Gabarito e Resolução
CAPÍTULO I
ORIGEM, NASCIMENTO E BATIZADO
Era no tempo do rei. Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo - O canto dos meirinhos¹-; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração).
Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o círculo dentro do qual se passavam os terríveis combates das citações, provarás, razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais que se chamava o processo. Daí sua influência moral.
Mas tinham ainda outra influência, que é justamente a que falta aos de hoje: era a influência que derivava de suas condições físicas. Os meirinhos de hoje são homens como quaisquer outros; nada têm de imponentes, nem no seu semblante nem no seu trajar, confundem-se com qualquer procurador, escrevente de cartório ou contínuo de repartição. Os meirinhos desse belo tempo não, não se confundiam com ninguém; eram originais, eram tipos: nos seus semblantes transluzia um certo ar de majestade forense, seus olhares calculados e sagazes significavam chicana. Trajavam sisuda casaca preta, calção e meias da mesma cor, sapato afivelado, ao lado esquerdo aristocrático espadim, e na ilharga direita penduravam um círculo branco, cuja significação ignoramos, e coroavam tudo isto por um grave chapéu armado.
Colocado sob a importância vantajosa destas condições, o meirinho usava e abusava de sua posição. Era terrível quando, ao voltar uma esquina ou ao sair de manhã de sua casa, o cidadão esbarrava com uma daquelas solenes figuras que, desdobrando junto dele uma folha de papel, começava a lê-la em tom confidencial! Por mais que se fizesse não havia remédio em tais circunstâncias senão deixar escapar dos lábios o terrível - Dou-me por citado. -
Ninguém sabe que significação fatalíssima e cruel tinham estas poucas palavras! eram uma sentença de peregrinação eterna que se pronunciava contra si mesmo; queriam dizer que se começava uma longa e afadigosa viagem, cujo termo bem distante era a caixa da Relação, e durante a qual se tinha de pagar importe de passagem em um sem-número de pontos; o advogado, o procurador, o inquiridor, o escrivão, o juiz, inexoráveis Carontes², estavam à porta de mão estendida, e ninguém passava sem que lhes tivesse deixado, não um óbolo³, porém todo o conteúdo de suas algibeiras, e até a última parcela de sua paciência. Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias.
*Notas:
¹Meirinho: funcionário da justiça (semelhante ao atual oficial de justiça).
²Caronte: na mitologia grega, era o barqueiro que transportava para além dos rios Estige e Aqueronte as almas dos mortos.
³Óbolo: moeda com que as almas dos mortos pagavam os serviços do barqueiro Caronte.
QUESTÃO 21
(FGV-SP 2020) Um conhecido comentário a respeito das Memórias de um sargento de milícias afirma que a estrutura do livro é formada pela conjugação de duas “séries”: uma “série histórica”, na qual comparecem até mesmo pessoas reais, e uma “série mítica” ou “arquetípica”, da ordem dos contos da carochinha e do folclore, cujo caráter é sobretudo intemporal.
Entre os trechos do excerto, destacados abaixo, aquele em que a combinação dessas duas “séries” aparece de modo mais flagrante é o que está em:
A) “Os meirinhos desse belo tempo não, não se confundiam com ninguém”. (L. 18)
B) “Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei”. (L. 5)
C) “Era no tempo do rei”. (L. 1)
D) “– Dou-me por citado –“. (L. 30)
E) “Ninguém sabe que significação fatalíssima e cruel tinham estas poucas palavras”. (L. 30)
QUESTÃO ANTERIOR:
- (FGV-SP 2020) Observando-se a prosa do excerto, verifica-se que ela imita um estilo elevado, empertigado, que, no entanto, é ao mesmo tempo irônico e sarcástico, beirando o riso.
RESOLUÇÃO (Colégio Objetivo):
A frase inicial do texto, “Era no tempo do rei” combina, de um lado, o aspecto histórico, temporal, por se referir à época do Rei D. João VI no Brasil (1808-1821) e, de outro, o aspecto mítico, intemporal que lembra o início dos contos de fada: Era uma vez”.
GABARITO:
C) “Era no tempo do rei”. (L. 1)
PRÓXIMA QUESTÃO:
- (FGV-SP 2020) Infere-se do texto que o aparato judiciário nele figurado, na medida em que seu acesso é condicionado à posse de recursos financeiros, está a serviço, primordialmente, de uma determinada camada social.
QUESTÃO DISPONÍVEL EM:
- Prova FGV-SP 2020 (Administração) com Gabarito e Resolução
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