Leia o texto. Se necessário, consulte a nota. A intraduzibilidade de um termo é normal. Acontece constantemente. Cada língua divide a seu ...
Leia o texto. Se necessário, consulte a nota.
A intraduzibilidade de um termo é normal. Acontece constantemente. Cada língua divide a seu modo a realidade em parcelas que nomeia, e elas não se ajustam inteiramente ao recorte das parcelas do real elaborado noutras línguas. Temos maçã e pero, enquanto em inglês há só apple. Os anglo-americanos não se preocupavam com a distinção, para portugueses mais que óbvia. […] Por outro lado, para nós basta-nos o verbo «esperar», enquanto os ingleses o subdividem em hope, expect e wait. Mas ninguém em Portugal espera menos só por não ter acesso a essas distinções vocabulares, como ninguém confunde esperar o autocarro com esperar um bebé, ou esperar uma vida melhor para os filhos. […]
A grande diferença é cultural. Se calhar os portugueses, por razões históricas diversas, tiveram inúmeras oportunidades para sofrer de saudades, a começar com as ausências prolongadas dos navegadores a partir de Quatrocentos. Mas não podemos afirmar isso ao de leve, sem estabelecer comparações: os espanhóis, por exemplo, dispersaram-se igualmente pelo Globo e não criaram um termo equivalente com tanto peso. Os ingleses, um século e tanto depois, espalharam-se também pelos mares e continentes, aliás como os holandeses, e nenhum desses povos cunhou uma palavra única para expressar os sentimentos dos ausentes da pátria quando dos seus se lembravam, ou destes quando sentiam a falta dos embarcadiços.
Quer dizer: são as culturas que criam os termos, os mantêm e desenvolvem, vá lá alguém saber exatamente porquê. Todavia, não é a língua portuguesa que é mais saudosa que as outras, mas os portugueses que, por qualquer razão, insistem mais nesse sentimento. […] Assim, o termo ganhou uma extensão invulgar que as metáforas ainda alargaram mais.
Ora, em semântica, é regra fundamental que o significado é o uso. Dito de outro modo: para se saber o que significa uma palavra ou uma expressão, analisa-se o contexto em que é usada. E, santo Deus!, quão vastos são os contextos de «saudade» na nossa cultura. Usa-a o fado em letras sobre amores destroçados que recordam momentos de idílio em comum; usa-a um filho que chora a morte da mãe; como a usa um emigrante em carta para a família, ou um adulto revivendo os doces momentos da infância. […]
É, pois, nessa polissemia desbragada do termo em tão variadas circunstâncias que ele adquire cargas semânticas cada vez mais intraduzíveis, porque em nenhuma outra língua um termo semelhante foi tão frequentemente utilizado para cobrir tão diverso número de situações.
Nada disto envolve qualquer magia; está-se apenas em presença de uma impossibilidade linguística de resumir tanta diversidade de usos e encontrar um equivalente em uma só palavra noutra língua. Em parte porque os portugueses poderão ser mais sentimentais (saudosos) do que outros povos (é possível), mas sobretudo porque tradicionalmente deram largas à criatividade no uso do termo, sobretudo porque os poetas, mestres na liberdade com as palavras, lhe alargaram exponencialmente o sentido.
NOTA
desbragada (linha 27) – descomedida; excessiva; desenfreada.
QUESTÃO 06
(IAVE 2018) Identifique as funções sintáticas desempenhadas pelo pronome relativo «que»
a) na linha 20;
b) na linha 24.
QUESTÃO ANTERIOR:
- (IAVE 2018) As formas verbais presentes em «A intraduzibilidade de um termo é normal.» (linha 1) e em «Assim, o termo ganhou uma extensão invulgar» (linha 20) têm, respetivamente, um valor aspetual
SOLUÇÃO:
a) A função sintática desempenhada pelo pronome relativo «que» é a de complemento direto. Vejamos por que motivo. Olhemos para a oração subordinada adjetiva relativa restritiva apenas e troquemos a ordem para a posição normal dos constituintes sintáticos numa frase, SVO (Sujeito + verbo + objeto/complementos): «as metáforas» (sujeito) + «ainda alargaram mais» (sendo «alargaram» o verbo transitivo direto) + «que» (Alargaram o quê? Podemos perguntar.). Deste modo, este «que» está a ocupar a posição de complemento direto e surge sob a forma de pronome, que é relativo ao elemento anteriormente apresentado ― «extensão invulgar».
b) A função sintática desempenhada pelo pronome relativo «que» é, desta vez, a de sujeito. Sigamos a mesma linha de raciocínio da alínea anterior: «que» (Sujeito ― Quem? Podemos perguntar.), ou seja, «os amores destroçados» + «recordam momentos de idílio em comum» (predicado com o respetivo verbo).
PRÓXIMA QUESTÃO:
- (IAVE 2018) Classifique a oração sublinhada em «Ora, em semântica, é regra fundamental que o significado é o uso.» (linha 21).
QUESTÃO DISPONÍVEL EM:
- Provas Exame Nacional de Portugal 2018 (1ª e 2ª Fase) com Soluções
A intraduzibilidade de um termo é normal. Acontece constantemente. Cada língua divide a seu modo a realidade em parcelas que nomeia, e elas não se ajustam inteiramente ao recorte das parcelas do real elaborado noutras línguas. Temos maçã e pero, enquanto em inglês há só apple. Os anglo-americanos não se preocupavam com a distinção, para portugueses mais que óbvia. […] Por outro lado, para nós basta-nos o verbo «esperar», enquanto os ingleses o subdividem em hope, expect e wait. Mas ninguém em Portugal espera menos só por não ter acesso a essas distinções vocabulares, como ninguém confunde esperar o autocarro com esperar um bebé, ou esperar uma vida melhor para os filhos. […]
A grande diferença é cultural. Se calhar os portugueses, por razões históricas diversas, tiveram inúmeras oportunidades para sofrer de saudades, a começar com as ausências prolongadas dos navegadores a partir de Quatrocentos. Mas não podemos afirmar isso ao de leve, sem estabelecer comparações: os espanhóis, por exemplo, dispersaram-se igualmente pelo Globo e não criaram um termo equivalente com tanto peso. Os ingleses, um século e tanto depois, espalharam-se também pelos mares e continentes, aliás como os holandeses, e nenhum desses povos cunhou uma palavra única para expressar os sentimentos dos ausentes da pátria quando dos seus se lembravam, ou destes quando sentiam a falta dos embarcadiços.
Quer dizer: são as culturas que criam os termos, os mantêm e desenvolvem, vá lá alguém saber exatamente porquê. Todavia, não é a língua portuguesa que é mais saudosa que as outras, mas os portugueses que, por qualquer razão, insistem mais nesse sentimento. […] Assim, o termo ganhou uma extensão invulgar que as metáforas ainda alargaram mais.
Ora, em semântica, é regra fundamental que o significado é o uso. Dito de outro modo: para se saber o que significa uma palavra ou uma expressão, analisa-se o contexto em que é usada. E, santo Deus!, quão vastos são os contextos de «saudade» na nossa cultura. Usa-a o fado em letras sobre amores destroçados que recordam momentos de idílio em comum; usa-a um filho que chora a morte da mãe; como a usa um emigrante em carta para a família, ou um adulto revivendo os doces momentos da infância. […]
É, pois, nessa polissemia desbragada do termo em tão variadas circunstâncias que ele adquire cargas semânticas cada vez mais intraduzíveis, porque em nenhuma outra língua um termo semelhante foi tão frequentemente utilizado para cobrir tão diverso número de situações.
Nada disto envolve qualquer magia; está-se apenas em presença de uma impossibilidade linguística de resumir tanta diversidade de usos e encontrar um equivalente em uma só palavra noutra língua. Em parte porque os portugueses poderão ser mais sentimentais (saudosos) do que outros povos (é possível), mas sobretudo porque tradicionalmente deram largas à criatividade no uso do termo, sobretudo porque os poetas, mestres na liberdade com as palavras, lhe alargaram exponencialmente o sentido.
Onésimo Teotónio Almeida, A Obsessão da Portugalidade,
Lisboa, Quetzal Editores, 2017, pp. 223-226.
NOTA
desbragada (linha 27) – descomedida; excessiva; desenfreada.
QUESTÃO 06
(IAVE 2018) Identifique as funções sintáticas desempenhadas pelo pronome relativo «que»
a) na linha 20;
b) na linha 24.
QUESTÃO ANTERIOR:
- (IAVE 2018) As formas verbais presentes em «A intraduzibilidade de um termo é normal.» (linha 1) e em «Assim, o termo ganhou uma extensão invulgar» (linha 20) têm, respetivamente, um valor aspetual
SOLUÇÃO:
a) A função sintática desempenhada pelo pronome relativo «que» é a de complemento direto. Vejamos por que motivo. Olhemos para a oração subordinada adjetiva relativa restritiva apenas e troquemos a ordem para a posição normal dos constituintes sintáticos numa frase, SVO (Sujeito + verbo + objeto/complementos): «as metáforas» (sujeito) + «ainda alargaram mais» (sendo «alargaram» o verbo transitivo direto) + «que» (Alargaram o quê? Podemos perguntar.). Deste modo, este «que» está a ocupar a posição de complemento direto e surge sob a forma de pronome, que é relativo ao elemento anteriormente apresentado ― «extensão invulgar».
b) A função sintática desempenhada pelo pronome relativo «que» é, desta vez, a de sujeito. Sigamos a mesma linha de raciocínio da alínea anterior: «que» (Sujeito ― Quem? Podemos perguntar.), ou seja, «os amores destroçados» + «recordam momentos de idílio em comum» (predicado com o respetivo verbo).
PRÓXIMA QUESTÃO:
- (IAVE 2018) Classifique a oração sublinhada em «Ora, em semântica, é regra fundamental que o significado é o uso.» (linha 21).
QUESTÃO DISPONÍVEL EM:
- Provas Exame Nacional de Portugal 2018 (1ª e 2ª Fase) com Soluções
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