OAB: Em maio de 2014, os quatro sócios de Santa Mariana Farmacêutica Ltda. aprovaram, por unanimidade
OAB: Em maio de 2014, os quatro sócios de Santa Mariana Farmacêutica Ltda. aprovaram, por unanimidade, a alteração do objeto social com restituição de quatro imóveis do patrimônio da sociedade aos sócios Andrea, Bruno, Carlos e Denise.
Os sócios Andrea e Bruno, casados em regime de separação parcial, receberam dois imóveis da sociedade e, em 11 de setembro de 2014, realizaram doação com reserva de usufruto vitalício para Walter e Sandra, seus dois filhos com 7 (sete) e 3 (três) anos de idade. Em 27 de junho de 2017, foi decretada a falência da sociedade empresária pelo juiz da Comarca de Vara Única de Laranja da Terra/ES.
O administrador judicial Barbosa Ferraz descobriu que as doações são fortes indícios do intuito fraudulento de todos os sócios na dilapidação patrimonial em prejuízo dos credores. No caso de Andrea e Bruno e seus filhos Walter e Sandra, verifica-se que as doações em benefício dos próprios filhos dos sócios de tenra idade, ocorreram sem qualquer justificativa, a evidenciar a clara intenção de ocultação de bens passíveis de constrição para pagamento das obrigações decorrentes do exercício da empresa.
A crise da empresa já se anunciava desde 2013, quando os balanços patrimoniais começam a revelar a elevação dos prejuízos, a diminuição da receita e o aumento de ações de cobrança. Assim, foi engendrada a trama que pôs a salvo o patrimônio pessoal dos sócios, esvaziando a possibilidade dos credores de alcançá-los para a solvência de dívida, ao mesmo tempo em que Andrea e Bruno resguardaram o direito de uso, administração e percepção dos frutos dos bens que só seriam de posse dos donatários após o falecimento destes.
No caso os sócios Carlos e Denise, verifica-se que eles alienaram os outros dois imóveis recebidos a Xavier, três dias depois do requerimento de falência, sendo no mesmo dia realizada a prenotação no Registro de Imóveis. O administrador descobriu que Xavier é um ex-empregado da sociedade falida, que foi testemunha nas escrituras de doação dos imóveis por Andrea e Bruno e trabalha atualmente como contador para Denise.
De posse da ata da assembleia de maio de 2014, do traslado das escrituras de doação e alienação dos imóveis e das certidões do Registro de Imóveis que lhe foram entregues pelo administrador judicial, o advogado irá tomar as providências cabíveis em defesa dos interesses da massa falida.
Elabore a peça processual adequada.
Obs.: a peça deve abranger todos os fundamentos de Direito que possam ser utilizados para dar respaldo à pretensão. A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação.
PADRÃO DE RESPOSTA:
Diante dos fatos narrados no enunciado e do teor dos artigos 130 e 132 da Lei nº 11.101/05, a peça adequada é a Petição de Inicial de Ação Revocatória. O procedimento a ser adotado é o comum (ex-procedimento ordinário). A descrição dos fatos revela nitidamente a presença de conluio fraudulento entre os sócios e um ex-empregado para causar prejuízo ao patrimônio da sociedade, antes da falência. Desta forma, não se revela adequada a resposta que indique se tratar de ação de ineficácia objetiva, com fundamento no art. 129, parágrafo único ou em qualquer de seus incisos.
Os fatos denotam evidentemente ao examinando a prática de atos REVOGÁVEIS e não ineficazes, sendo descabida (e não pontuada) qualquer afirmação que os sócios incorreram na prática de ato tipificado em inciso do art. 129 da Lei nº 11.101/2004 para justificar a legitimidade passiva ou o fundamento jurídico da ação. Por que a ação e o mérito não podem estar fundamentados em qualquer dos incisos do art. 129 ou o examinando não pode concluir que se trata de ato objetivamente ineficaz? É o que se passa a demonstrar a seguir.
A ineficácia objetiva ou ineficácia em sentido estrito decorre de previsão legal e da presunção absoluta de prejuízo aos credores em virtude de atos praticados pelo devedor antes da falência. Por se tratar de presunção absoluta e com supedâneo na “par conditio creditorum”, os atos ineficazes não produzirão efeito em relação à massa falida, mesmo que se demonstre a boa-fé do terceiro contratante e o desconhecimento da situação econômica grave porque passava o devedor no momento da prática do ato.
As hipóteses de ineficácia estão previstas no art. 129 da Lei nº 11.101/2005 e no art. 45, § 8º, da Lei nº 6.404/76 (Lei de Sociedades por Ações). No tocante a esse dispositivo, fica de plano descartada sua incidência diante do tipo societário adotado pela sociedade – limitada. Quanto aos incisos do art. 129, percebe-se que:
(I) não foi indicado no enunciado o termo legal da falência e o examinando não poderia deduzi-lo diante da falta de informação quanto ao critério adotado pelo juiz na sua fixação (art. 99, II). Destarte, não é pontuado menção ao termo legal como mérito da ação ou o embasamento de direito material nos incisos I, II ou III do art. 129.
(ii) a doação feita em 11 de setembro de 2014 envolveu os sócios Andréa e Bruno, como doadores, e seus filhos Walter e Sandra, como donatários. As doações não foram feitas pela sociedade empresária, ora falida. Caso o examinando tenha lido e interpretado corretamente o inciso IV do art. 129, perceberá de plano a inadequação da hipótese de ineficácia ao enunciado, seja porque o ato a título gratuito não foi praticado pelo devedor, seja em razão do decurso de mais de dois anos antes da falência (11/9/2014 e 27/6/2017).
(iii) o enunciado não se refere à sucessão causa mortis ou que tenha havido renúncia à herança ou legado por parte da sociedade empresária, afastando-se a incidência do inciso V do art. 129.
(iv) a restituição dos quatro imóveis ao patrimônio dos sócios não caracteriza trespasse de estabelecimento, tanto pelo fato de os sócios não serem empresários como em razão de o estabelecimento empresarial não se limitar ao “imóvel”. Estabelecimento, por definição legal, é o complexo de bens (universalidade de fato) formado por empresário ou sociedade empresária para o exercício da empresa. Nota-se que a sociedade manteve suas atividades após a transferência dos imóveis aos sócios, sendo a falência decretada mais de 3 anos depois.
Portanto, o examinando deveria rechaçar ou não incluir na fundamentação jurídica o inciso VI do art. 129.
(v) por fim, consta do enunciado que houve alienação e prenotação da alienação de dois imóveis três dias depois do requerimento de falência. A ineficácia objetiva prevista no inciso VII do art. 129 decorre de prenotação APÓS A DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. Como houve prenotação antes da decretação da falência, o ato seria eficaz em relação à massa falida caso não existisse o conluio fraudulento.
Não receberá, igualmente, pontuação, a resposta que concluiu pelo incidente de desconsideração da personalidade jurídica em razão da nítida distinção entre esse instituto e a fraude contra credores, bem como a possibilidade de constrição direta dos bens que se encontram em poder de sócios ou terceiros, prevista no art. 137 da Lei nº 11.101/2005.
Com base nos argumentos supra, a única peça processual admitida é a AÇÃO REVOCATÓRIA, com fundamento exclusivo no art. 130 da Lei nº 11.101/2005, o qual deverá ser expressamente mencionado e interpretado – nos fundamentos jurídicos (DO DIREITO OU DO MÉRITO) – concomitantemente à luz do conteúdo fático contido no enunciado.
I- Endereçamento: a ação revocatória correrá perante o juízo da falência, conforme determinação do Art. 134 da Lei nº 11.101/05. Assim, o endereçamento da petição é ao Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Laranja da Terra/ES. Não está correta a resposta que endereça a petição ao juiz de vara de falências, de vara cível ou de vara especializada, por contrariar a informação do enunciado de que a vara é única.
II- Qualificação das Partes
Em cumprimento ao art. 319, II, do CPC, o examinando deverá qualificar todas as partes. Apenas a indicação dos nomes, sem qualificação, não pontua.
Legitimidade ativa: embora a ação revocatória possa ser proposta por credor ou pelo Ministério Público, no caso apresentado, é a massa falida a parte legitimada (massa falida de Santa Mariana Farmacêutica Ltda., representada pelo administrador judicial Barbosa Ferraz). O autor da ação revocatória não é o administrador judicial, pois ele não é a parte e sim a Massa Falida (Art. 75, inciso V, do CPC/15 e Art. 22, inciso III, alínea n, da Lei nº 11.101/05).
O examinando deverá ser capaz de demonstrar que conhece as regras do CPC sobre a representação processual das partes e que a massa falida DEVE ser representada pelo administrador judicial e que esse é representante daquela e não autor da ação. Além das disposições legais citadas para justificar a não atribuição de ponto para a resposta que apontou o administrador judicial como autor da ação, cita-se o art. 76, parágrafo único, da Lei nº 11.101/05.
“Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo.” [g.n.]
É pertinente sublinhar que o administrador judicial é o representante legal da MASSA FALIDA e não da sociedade falida. A sociedade falida tem seus representantes na falência indicados no art. 81, § 2º, da Lei nº 11.101/05 (“As sociedades falidas serão representadas na falência por seus administradores ou liquidantes”).
A resposta que informa ser autor da ação a sociedade empresária (e não a massa falida) representada pelo administrador judicial não receberá pontuação, haja vista que o administrador judicial não é o representante do falido no processo.
Legitimidade passiva: de acordo com o Art. 133 da Lei nº 11.101/05, a ação revocatória deve ser proposta (i) em face de todas as pessoas que figuraram no ato ou que por efeito dele foram pagos, garantidos ou beneficiados e
(ii) contra os terceiros adquirentes, se tiveram conhecimento, ao se criar o direito, da intenção do devedor de prejudicar os credores. Portanto, devem figurar no polo passivo da relação processual os sócios Andrea e Bruno e seus filhos Walter e Sandra (doadores e donatários dos dois imóveis), Carlos, Denise e Xavier (alienantes e adquirentes dos outros dois imóveis). A omissão a um ou mais réus acarretará desconto ou não atribuição de pontuação conforme quadro de distribuição dos pontos.
III- Tempestividade: a ação está sendo proposta dentro do prazo de 3 anos, contados da decretação da falência (27/6/2017), em conformidade com o Art. 132 da Lei nº 11.101/05.
A tempestividade não se confunde com a legitimidade ativa.
A SIMPLES MENÇÃO OU TRANSCRIÇÃO DO ART. 132 SEM AFIRMAÇÃO QUE A AÇÃO É TEMPESTIVA NÃO PONTUA.
IV- Fundamentos jurídicos
A narrativa dos fatos que antecede a exposição do mérito não pontua, pois os primeiros devem ser associados à demonstração dos elementos exigíveis para a demonstração da ineficácia subjetiva ou revogação. Portanto, ao interpretar o art. 130 da Lei nº 11.101/05, o examinando deve fazer a subsunção dos fatos para identificar a fraude a credores, conluio e prejuízo à massa na conduta dos réus, individualizando-as.
Deverá ser apontado que os atos são REVOGÁVEIS. NÃO SERÃO PONTUADOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DE INEFICÁCIA OBJETIVA porque não há ato ineficaz e revogável concomitantemente. Ineficácia e revogação de atos praticados pelo devedor antes da falência são institutos distintos.
Por conseguinte, o examinando deverá indicar
a) a possibilidade de revogação (ineficácia subjetiva) em relação à massa falida dos atos praticados antes da falência com a intenção de prejudicar credores, de acordo com o Art. 130 da Lei nº 11.101/05.
b) que a revogação depende da comprovação (i) do conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e (ii) o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.
A omissão do elemento subjetivo do ato revogável OU do elemento objetivo na fundamentação jurídica implicará em desconto de pontuação.
c) que, em conformidade com o art. 130, estão presentes os elementos subjetivo e objetivo necessários à decretação da revogação (ou ineficácia subjetiva), porque
HÁ PRESENÇA DE CONLUIO FRAUDULENTO (fazer a individualização das condutas)
c.1) no caso dos sócios Andrea e Bruno e de seus filhos Walter e Sandra, verifica-se que as doações dos pais em benefício dos próprios filhos ocorreram sem qualquer justificativa, a evidenciar a clara intenção de ocultação de bens passíveis de constrição para pagamento das obrigações decorrentes do exercício da empresa, ao mesmo tempo em que eles resguardaram o direito de uso, administração e percepção dos frutos dos bens que só seriam de posse de seus filhos após o falecimento destes.
É curial observar que a ação revocatória pode ser proposta em face de todos os que figuraram no ato ou que por efeito dele foram pagos, garantidos ou beneficiados (art. 133, I, da Lei nº 11.101/05)
c.2) os sócios Carlos e Denise alienaram os outros dois imóveis recebidos a Xavier, três dias depois do requerimento de falência, sendo no mesmo dia realizada a prenotação no Registro de Imóveis.
c.3) Xavier, embora não seja sócio, tinha conhecimento das doações, adquiriu os dois imóveis de Carlos e Denise logo após o requerimento de falência, sendo também ex-empregado da sociedade falida, e trabalha atualmente para Denise como contador.
Houve efetivo prejuízo à massa falida
c.4) em relação ao prejuízo ao falido, as doações foram realizadas em 2014 e a crise da empresa já se anunciava desde 2013, quando os balanços patrimoniais começam a revelar a elevação dos prejuízos, a diminuição da receita e o aumento de ações de cobrança e as alienações foram realizadas três dias após o pedido de falência.
d) Em decorrência da possibilidade de revogação e caracterização do prejuízo demonstrado, deve ser determinada a devolução dos imóveis à massa falida, reintegrando seu acervo.
V- Pedidos:
a) procedência do pedido para determinar o retorno dos bens à massa falida, com todos os acessórios, acrescidos das perdas e danos, a serem apuradas, com base no Art. 135 da Lei nº 11.101/05. O simples pedido de revogação dos atos ou da procedência do pedido não pontua.
b) concessão de tutela de urgência de natureza cautelar mediante o sequestro dos imóveis, com fundamento no Art. 301 do CPC/15 OU no Art. 137 da Lei nº 11.101/05.
c) citação dos réus.
d) CONDENAÇÃO dos réus ao pagamento das custas E honorários advocatícios ou aos ônus de sucumbência.
Não há pontuação para o pedido de condenação apenas em custas ou apenas em honorários.
VI- Provas: protesto pela produção de provas.
VII- Menção ao valor da causa: o examinando deverá fazer menção ao valor da causa, com fundamento no Art. 134 da Lei nº 11.101/05 c/c o Art. 291 e com o Art. 319, inciso V, ambos do CPC/15.
VIII- Fechamento da peça conforme o item 3.5.9 do Edital
Na elaboração dos textos da peça profissional e das respostas às questões discursivas, o examinando deverá incluir todos os dados que se façam necessários, sem, contudo, produzir qualquer identificação ou informações além daquelas fornecidas e permitidas nos enunciados contidos no caderno de prova. Assim, o examinando deverá escrever o nome do dado seguido de reticências ou de “XXX” (exemplo: “Município...”, “Data...”, “Advogado...”, “OAB...”, “MunicípioXXX”, “DataXXX”, “AdvogadoXXX”, “OABXXX” etc.).
Local ... ou Município (Laranja da Terra/ES),
Data...,
Advogado(a)... e OAB...
A omissão de alguns dos dados acima acarreta a não atribuição da pontuação de 0,10 ao item do fechamento.
PRÓXIMA QUESTÃO:
QUESTÃO DISPONÍVEL EM:
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