Prova do Exame Nacional Português 2021 (1ª e 2ª Fase) com Solução 1ª FASE | GRUPO I VERSÃO 1 Apresente as suas respostas de forma bem ...
Prova do Exame Nacional Português 2021 (1ª e 2ª Fase) com Solução
1ª FASE | GRUPO I
VERSÃO 1
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
PARTE A
Leia o poema.
O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
Porque não interroga nem se espanta...
Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer cousa no sol de modo a ele ficar mais belo.
(Mesmo se nascessem flores novas no prado
E se o sol mudasse para mais belo,
Eu sentiria menos flores no prado
E achava mais feio o sol...
Porque tudo é como é e assim é que é,
E eu aceito, e nem agradeço,
Para não parecer que penso nisso...)
Alberto Caeiro, Poesia, edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, 3.ª ed.,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2009, p. 57.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 01
Relacione as comparações presentes nos dois primeiros versos com o sentido do quarto verso.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 02
Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação abaixo apresentada.
No âmbito da argumentação desenvolvida ao longo da segunda e da terceira estrofes, o recurso à __________, nos versos de 8 a 11, evidencia a ideia de que é pela visão que se pode __________.
(A) metonímia … alterar a perceção da natureza
(B) antítese … conhecer a beleza objetiva da natureza
(C) metonímia … conhecer a beleza objetiva da natureza
(D) antítese … alterar a perceção da natureza
PARTE B
Leia os dois textos e as notas. Na resposta aos itens de 4. a 6., tenha em consideração ambos os textos.
O oficial era moço, talvez não tinha trinta anos; posto que o trato das armas, o rigor das estações, e o selo visível dos cuidados que trazia estampado no rosto, acentuassem já mais fortemente, em feições de homem feito, as que ainda devia arredondar a juventude.
A sua estatura era mediana, o corpo delgado, mas o peito largo e forte como precisa um coração de homem para pulsar livre; seu porte gentil e decidido de homem de guerra desenhava-se perfeitamente sob o espesso e largo sobretudo militar – espécie de great-coat¹ inglês que a imitação das modas britânicas tinha tornado familiar nos nossos bivaques². Trazia-o desabotoado e descaído para trás, porque a noite não era fria; e via-se por baixo elegantemente cingida ao corpo a fardeta parda dos caçadores, realçada de seus característicos alamares³ pretos e avivada de encarnado...
Uniforme tão militar, tão nacional, tão caro a nossas recordações – que essas gentes, prostituidoras de quanto havia nobre, popular e respeitado nesta terra, proscreveram⁴ do exército... por muito português de mais talvez! deram-lhe baixa para os beleguins⁵ da alfândega, reformaram-no em uniforme da bicha⁶!
Não pude resistir a esta reflexão: as amáveis leitoras me perdoem por interromper com ela o meu retrato.
Mas quando pinto, quando vou riscando e colorindo as minhas figuras, sou como aqueles pintores da Idade Média que entrelaçavam nos seus painéis dísticos de sentenças, fitas lavradas de moralidades e conceitos... talvez porque não sabiam dar aos gestos e atitudes expressão bastante para dizer por eles o que assim escreviam, e servia a pena de suplemento e ilustração ao pincel... Talvez: e talvez pelo mesmo motivo caio eu no mesmo defeito...
Será; mas em mim é irremediável, não sei pintar de outro modo.
Voltemos ao nosso retrato.
Os olhos pardos e não muito grandes, mas de uma luz e viveza imensa, denunciavam o talento, a mobilidade do espírito – talvez a irreflexão... mas também a nobre singeleza de um carácter franco, leal e generoso, fácil na ira, fácil no perdão, incapaz de se ofender de leve, mas impossível de esquecer uma injúria verdadeira.
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, 2.ª ed., Lisboa, Portugália, 1963, pp. 148-149.
– Meu pai! Não meta este senhor em maiores trabalhos! – disse Mariana.
– Não tem dúvida, menina – atalhou Simão; – eu é que não quero meter ninguém em trabalhos. Com a minha desgraça, por maior que ela seja, hei de eu lutar sozinho.
João da Cruz, assumindo uma gravidade de que a sua figura raras vezes se enobrecia, disse:
– Senhor Simão, Vossa Senhoria não sabe nada do mundo. Não meta sozinho a cabeça aos trabalhos, que eles, como o outro que diz, quando pegam de ensarilhar um homem, não lhe deixam tomar fôlego. Eu sou um rústico; mas, a bem dizer, estou naquela daquele que dizia que o mal dos seus burrinhos o fizera alveitar⁷. Paixões, que as leve o diabo, e mais quem com elas engorda. Por causa de uma mulher, ainda que ela seja filha do rei, não se há de um homem botar a perder⁸. Mulheres há tantas como a praga, e são como as rãs do charco, que mergulha uma, e aparecem quatro à tona d’água. Um homem rico e fidalgo como Vossa Senhoria, onde quer, topa uma com um palmo de cara como se quer, e um dote de encher o olho. Deixe-a ir com Deus ou com a breca, que ela, se tiver de ser sua, à mão lhe há de vir dar, e tanto faz andar pra trás como pra diante, é ditado dos antigos. Olhe que isto não é medo, fidalgo; tome sentido, que João da Cruz sabe o que é pôr dois homens duma feita a olhar o sete-estrelo⁹, mas não sabe o que é medo. Se o senhor quer sair à estrada e tirar a tal pessoa ao pai, ao primo, e a um regimento, se for necessário, eu vou montar na égua, e daqui a três horas estou de volta com quatro homens, que são quatro dragões.
Simão fitara os olhos chamejantes nos do ferrador, e Mariana exclamara, ajuntando as mãos sobre o seio:
– Meu pai! não lhe dê esses conselhos!…
– Cala-te aí, rapariga! – disse mestre João. – Vai tirar o albardão¹⁰ à égua, amanta-a, e bota-lhe seco. Não és aqui chamada.
– Não vá aflita, senhora Mariana – disse Simão à moça, que se retirava amargurada. – Eu não aproveito alguns dos conselhos de seu pai. Ouço-o com boa vontade, porque sei que quer o meu bem; mas hei de fazer o que a honra e o coração me aconselhar.
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, edição de Aníbal
Pinto de Castro, Porto, Caixotim, 2006, pp. 194-195.
NOTAS
¹great-coat – espécie de sobretudo; casaco comprido.
²bivaques – modalidade de estacionamento de tropas em que estas se alojam em tendas de campanha ou abrigos improvisados.
³alamares – cordões metálicos que guarnecem, pela frente, uma peça de vestuário, de um lado ao outro da abotoadura.
⁴proscreveram – baniram; afastaram.
⁵beleguins – oficiais de justiça.
⁶uniforme da bicha – uniforme de aspirante a oficial.
⁷alveitar – referência a alguém cujo conhecimento assenta na experiência de vida; aquele que trata de doenças de animais, sem diploma legal.
⁸botar a perder – deitar a perder.
⁹sete-estrelo – grupo de estrelas na constelação das Plêiades; as estrelas.
¹⁰albardão – sela grande; assento grosseiro que se coloca no dorso da cavalgadura para a montar.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 04
O «oficial» e Simão apresentam características que permitem defini-los como heróis românticos.
Explique o modo como uma dessas características, comum a ambas as personagens, se manifesta em cada uma delas.
Na sua resposta, comece por identificar a característica comum às personagens.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 05
O narrador, num caso, e João da Cruz, no outro, exprimem opiniões sobre o que observam no mundo em que vivem.
Explicite uma opinião defendida por cada um deles.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 06
Selecione a opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo apresentadas.
Nos excertos transcritos, é possível identificar características das narrativas do Romantismo.
Por exemplo, no excerto de Viagens na Minha Terra, o narrador interrompe o retrato da personagem para introduzir reflexões. Terminadas essas reflexões, afirma «Voltemos ao nosso retrato.» (linha 23), expressão através da qual se dirige ___________.
Por seu lado, no excerto de Amor de Perdição, é percetível a diferença de classe social das personagens, entre outros aspetos, através ___________.
(A) às leitoras … do registo de língua usado por João da Cruz
(B) ao «oficial» … da altivez revelada por Simão
(C) às leitoras … da altivez revelada por Simão
(D) ao «oficial» … do registo de língua usado por João da Cruz
PARTE C
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 07
«O que coloca Fernão Lopes fora de toda a comparação na nossa literatura e talvez em todas as literaturas é o modo como ele dá vida às multidões alvoraçadas.»
M. Rodrigues Lapa, Lições de Literatura Portuguesa – Época Medieval,
9.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1990, p. 410.
Baseando-se na sua experiência de leitura da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, escreva uma breve exposição sobre a emergência de uma consciência coletiva do povo português.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual refira dois momentos em que as «multidões alvoraçadas» revelem o desabrochar de uma consciência coletiva;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
GRUPO II
Leia o texto e a nota.
Se é verdade que os «Modernistas» portugueses são todos singulares, que não têm uma poética comum e se movem entre uma vanguarda sem decálogo e um simbolismo requintado, essa singularidade é sobretudo evidente em Almada Negreiros.
Se Mário de Sá-Carneiro é um autor, Fernando Pessoa, vários autores, e Santa Rita Pintor, uma personagem, Almada Negreiros é um ator. Ele toma diferentes posições, corresponde a diferentes lógicas estéticas, é cada vez mais, ao longo da sua obra, «aquele que representa», sem se concretizar num género ou numa arte única. Cito uma descrição de Rui Mário Gonçalves: «Almada foi poeta, romancista, dramaturgo, cronista, pensador e polemista; foi também desenhador, caricaturista, pintor, retratista, vitralista, muralista, azulejista, figurinista, tapeceiro, gravador e geómetra.»1 E, deve acrescentar-se, bailarino e conferencista. No todo, a arte do espetáculo, a unidade do ator.
Almada Negreiros é tão importante na história da literatura como na da pintura em Portugal, e cada uma das artes é nele apenas um aspeto. Porque, quando diz de si que é um pintor, a palavra quer dizer poeta, e vice-versa. Sucede isso no Orpheu 1, em que assina os seus poemas em prosa como «desenhador», e depois em A Invenção do Dia Claro, que é, além de uma conferência proferida em Lisboa em 1921, um livro de poemas e um conjunto de «ensaios para a iniciação de portugueses na revelação da pintura». Tudo ao mesmo tempo, e sem que a escolha seja exclusiva. Outros exemplos são a configuração da conferência como um género teatral e do desenho como uma espécie de filosofia, como manifesta com toda a evidência o painel Começar no átrio da Fundação Gulbenkian.
Muda os materiais, troca de lugar as fronteiras, redistribui os signos, deixa correr a mesma energia por entre os frescos nas Gares Marítimas, as páginas escritas e desenhadas da Histoire du Portugal par Cœur, as ilustrações de dezenas de livros e artigos de jornal em Portugal e em Espanha, as cenas de teatro em espaços imaginários mas construídos com exatidão, como no caso da edição de Deseja-se Mulher, as suas narrativas com uma vocação realista exemplar, e todas dedicadas ao jogo dos efeitos de surpresa, entre as quais se conta um romance de dimensão única na ficção portuguesa moderna: Nome de Guerra, longa viagem ao interior da cabeça de um homem que aprende a viver. Passa ainda por tapeçarias decorativas como quem experimenta rimas, e os seus arlequins conhecem Picasso como as próprias mãos.
Dizemos, com ele, que a poesia não se confunde com a história das formas poéticas: «Os versos são um modo de perpetuação de um dos modos da criação que se chama Poesia.»
(Conferência Poesia É Criação, de 1962). Assim sendo, a ilustração de um livro, a banda desenhada num jornal, o diálogo, o conto, o artigo, a entrevista são poesia também. Tal como é poesia, num certo sentido almadiano da palavra, a coreografia de um espetáculo ou um painel em baixo-relevo.
Fernando Cabral Martins, «Almada Negreiros», in O Cânone, edição de António M. Feijó,
João R. Figueiredo e Miguel Tamen, Lisboa, Tinta da China, 2020, pp. 67-68.
NOTA
¹Verbete sobre a obra de Almada Negreiros, Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, coordenação de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Caminho, 2008, p. 515.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 01
De acordo com o texto, a marca distintiva do modernismo português consiste no culto
(A) da diversidade.
(B) do simbolismo.
(C) da vanguarda.
(D) da perfeição.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 02
Quando o autor afirma que «Almada Negreiros é um ator» (linha 5), pretende evidenciar as ideias de
(A) pluralidade e improvisação.
(B) superficialidade e dispersão.
(C) versatilidade e experimentação.
(D) artificialidade e imitação.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 03
No terceiro parágrafo, o autor do texto pretende
(A) comprovar a ausência de fronteiras entre as diferentes manifestações artísticas de Almada.
(B) explicar a origem de algumas das obras artísticas de Almada.
(C) estabelecer um confronto entre a obra poética e a obra plástica de Almada.
(D) apresentar um comentário pessoal sobre os materiais usados nas diferentes obras de Almada.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 04
De acordo com o quarto parágrafo, a conceção de Poesia defendida por Almada Negreiros
(A) valoriza a perpetuação de formas poéticas tradicionais.
(B) desconstrói a definição clássica de produção poética.
(C) perspetiva certas manifestações artísticas como superiores a outras.
(D) preconiza uma sistemática associação entre a palavra escrita e a imagem.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 05
Todas as orações abaixo transcritas são subordinadas substantivas completivas, exceto a oração
(A) «que os “Modernistas” portugueses são todos singulares» (linha 1).
(B) «que é um pintor» (linha 13).
(C) «que aprende a viver» (linhas 27-28).
(D) «que a poesia não se confunde com a história das formas poéticas» (linha 30).
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 06
As expressões «por tapeçarias decorativas» (linha 28) e «de um livro» (linha 32) desempenham as funções sintáticas de
(A) modificador do grupo verbal, no primeiro caso, e de modificador do nome restritivo, no segundo caso.
(B) complemento oblíquo, no primeiro caso, e de modificador do nome restritivo, no segundo caso.
(C) complemento oblíquo, no primeiro caso, e de complemento do nome, no segundo caso.
(D) modificador do grupo verbal, no primeiro caso, e de complemento do nome, no segundo caso.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 07
Tal como em «são» (linha 33), o valor aspetual genérico está presente em
(A) «se concretizar» (linha 7).
(B) «troca» (linha 20).
(C) «experimenta» (linha 28).
(D) «se confunde» (linha 30).
GRUPO III
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 01
Quando se pensa no futuro da humanidade, a primeira ideia que ocorre a muitas pessoas é a importância do progresso científico e tecnológico.
Mas não será que o progresso implica também a valorização das artes, enquanto dimensão fundamental de uma formação de base humanista?
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a questão apresentada.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2021/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há que atender ao seguinte:
− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
2ª FASE | GRUPO I
VERSÃO 1
PARTE A
Leia o soneto e as notas.
Correm turvas as águas deste rio,
que as do Céu e as do monte as enturbaram¹;
os campos florecidos se secaram,
intratável² se fez o vale, e frio.
Passou o verão, passou o ardente estio³,
ũas cousas por outras se trocaram;
os fementidos⁴ Fados já deixaram
do mundo o regimento⁵, ou desvario⁶.
Tem o tempo sua ordem já sabida;
o mundo, não; mas anda tão confuso,
que parece que dele Deus se esquece.
Casos, opiniões, natura⁷ e uso
fazem que nos pareça desta vida
que não há nela mais que o que parece.
Luís de Camões, Rimas, edição de Álvaro J.
da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 168.
NOTAS
¹enturbaram – tornaram turvas.
²intratável – inacessível; intransitável.
³estio – tempo quente e seco.
⁴fementidos – enganosos.
⁵regimento – governo.
⁶desvario – loucura; inquietação; excesso.
⁷natura – natureza humana.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 01
Explique o modo como a passagem do tempo é representada nas duas primeiras estrofes.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 02
«Tem o tempo sua ordem já sabida; / o mundo, não» (versos 9 e 10).
Explicite a oposição presente nestes versos, tendo em conta a globalidade do poema.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 03
Selecione a opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo apresentadas.
Neste soneto, além do tema da mudança, também se destaca o tema __________. Perante a realidade que perceciona, o sujeito poético evidencia um sentimento de __________.
(A) da reflexão sobre a vida pessoal … indiferença
(B) da reflexão sobre a vida pessoal … descrença
(C) do desconcerto … indiferença
(D) do desconcerto … descrença
PARTE B
Leia o texto.
Quando cheguei à rua do Fonseca, notei logo que as janelas do quarto andar estavam todas fechadas – hum! A porta da rua trancada. Mau sinal. Ao sol puro e claro da manhã, a fachada reluzia na frescura da pedra branca, dos estuques rosados e novos. O próprio prédio parecia dormir, sereno, sorrindo ao sol, com as pálpebras das cortinas todas descidas. À beira do passeio o Chevrolet do Fonseca, consideravelmente empoeirado, esperava. Mas que silêncio nesta rua nova! A calçadinha do passeio estalava-me debaixo das solas dos sapatos.
Não havia remédio senão tocar a campainha. Mas tocariam as campainhas? Outro dia não funcionavam. Há sempre alguma complicação nestes prédios novos: ou falta a água porque a Câmara ainda não abriu as canalizações, ou é o trinco que não funciona, ou não há corrente, ou cortaram o gás.
Enquanto esperava que de cima abrissem a porta (devia estar tudo a postos, era para largarmos às sete, imagine-se!) fui examinar o carro: já teria o pneu cheio? Isso sim: o Chevrolet descaía tristemente sobre um pneu vazio, à retaguarda, como um cavalo sobre uma pata cansada. O Fonseca (tornei a olhar para as janelas: fechadas) ainda não tinha saído da toca.
A coisa estava bonita. Se ele já teria metido gasolina? Fui buscar um pauzinho à obra ao lado, desatarraxei o tampão do tanque, e meti o pauzinho para medir o nível: saiu seco. E o radiador, provavelmente, como sempre, não tem pinga de água. Mudar o pneu, meter gasolina, água…
Temos para meia hora ou mais. E aqui perto não há uma garagem.
Lá de cima continuavam a não abrir a porta. Ó senhor, passa das oito, e esta gente… Fui-me à campainha e carreguei-lhe furiosamente: nada. Deviam estar mergulhados num sono de chumbo, de morte. À ideia de morte estremeci: quem sabe se não estariam envenenados com o gás da cozinha! Senti-me verdadeiramente inquieto. Se não fosse ali o Chevrolet, havia de julgar que já tinham saído. E era às sete que isto… Ah, mas lá vinha um padeiro, com a toalha branca do cabaz cheia de sol festivo. Ora bom dia! Felizmente há sempre um vizinho que se levanta cedo ao domingo, e come pão fresco ao pequeno-almoço. (Também havia padeiros ao domingo!)
Entrei atrás dele e subi ao último andar. Diante da porta detive-me um momento a escutar: silêncio. Então, quase capaz de me ir embora, de voltar para a minha Umbelina e para o meu domingo, e em todo o caso com uma vontade cruel de fazer violências, carreguei demoradamente no botão da campainha que fazia vibrar a porta de alto a baixo. Aquilo não era campainha, era um motor de avião. Até parecia que as paredes tremiam, e aquela gente sem acordar! Então, danado por me terem forçado a deitar-me tarde e a sair da cama ao cantar do galo, assentei quatro murros na porta, fenomenais. Fiquei com as mãos dormentes.
José Rodrigues Miguéis, «Uma Viagem na Nossa Terra», in
Léah e Outras Histórias, 7.ª ed., Lisboa, Estampa, 1982, pp. 46-47.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 04
Selecione a opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo apresentadas.
Na descrição da fachada e do prédio (linhas 2 a 4), são utilizados alguns recursos expressivos, nomeadamente, a _____________, presente em «O próprio prédio parecia dormir, sereno, sorrindo ao sol».
Através deste recurso, o narrador transmite ideias _____________.
(A) metonímia … de bem-estar e de sossego
(B) personificação … de bem-estar e de sossego
(C) metonímia … de luminosidade e de riqueza
(D) personificação … de luminosidade e de riqueza
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 05
Analise a evolução do estado de espírito do narrador ao longo do excerto.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 06
Refira duas marcas linguísticas que comprovem o uso de um registo que se aproxima da oralidade. Transcreva, para cada uma delas, um exemplo significativo.
PARTE C
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 07
Tal como no excerto do conto que acabou de ler o narrador repara na figura do «padeiro» que distribui «pão fresco», também no poema «O Sentimento dum Ocidental», de Cesário Verde, o olhar do sujeito poético se detém, frequentemente, naqueles que trabalham.
Escreva uma breve exposição sobre a «Dor humana» sentida por aqueles que trabalham, no poema «O Sentimento dum Ocidental».
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual refira de que modo duas das personagens observadas pelo sujeito poético comprovam o sofrimento daqueles que trabalham;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
GRUPO II
Leia o texto.
Um dos filósofos mais originais e discretos do século XX, o russo Pavel Florenskij, escreveu: «A nossa vida escapa-nos como um sonho, e é possível não chegar a tempo de fazer coisa alguma neste breve instante que é a vida. Por isso, é necessário aprender a arte de viver, a mais difícil e a mais importante das artes: a capacidade de conferir a cada hora um conteúdo substancial, conscientes de que aquela hora não tornará jamais.» Pode, de facto, acontecer-nos «não chegar a tempo» até porque, precisamente, o tempo é uma alta febre que nos toma e que, não raro, nos atira borda fora da nossa própria embarcação.
Desde que ganhámos consciência de que estamos dentro do tempo, de que somos seres amassados na argila do tempo, deixámos de ter tempo. A nossa vida, quase por completo, está destinada ao fazer e ao produzir, a essa luta certamente áspera, monótona ou dilacerante, mas também apaixonada, envolvente e, à sua maneira, vital. Na verdade, não há, à partida, nenhum problema com a vida ativa da qual dependemos, e não só para garantir a basilar luta pela sobrevivência.
O coágulo forma-se quando a atividade se torna o fim e nós os instrumentos; quando, manhã após manhã, o espelho testemunha como nos estamos a transformar em elementos puramente instrumentais de uma vida que já não quer saber de nós. Muitas vezes, a esse lampejo de consciência, reagimos pressionando ainda com mais força o pé contra o acelerador, deixando-nos ir, aceitando que não nos resta outra forma de aceitar a temporalidade. E tentamo-nos consolar dizendo: «não tenho vida, mas tenho coisas», «não tenho tempo para nada, mas adquiro poder de compra». Às nossas sociedades falta uma reflexão séria sobre a completude da experiência humana e sobre as reivindicações – a maior parte delas sufocada – por um estilo de vida mais equilibrado.
O dever ou o direito de fazer não tem de se construir sacrificando a toda a linha o dever ou o direito de ser. A estimulação para o ativismo não tem de ser tão brutal que insista em queimar – com a rapidez com que arde um fósforo – todos os recursos, exteriores e interiores, que alguém possui para viver. A pressa não pode ignorar por completo a lentidão. A vida ativa não tem necessariamente de suprimir a necessidade que cada um de nós sente de contemplação.
Vêm-me ao pensamento os versos do «Canto Noturno de Um Pastor Errante da Ásia», do poeta Giacomo Leopardi: «Que fazes tu no céu, ó lua? Diz-me / que fazes, silenciosa lua? […] / Diz-me ó lua, afinal / que vale ao pastor a sua vida, / ou para que te serve a ti a tua? Diz-me para que direção / caminha este meu breve vagar / e para onde se dirige o teu curso imortal?» Na composição, o pastor errante contempla a lua. Com que necessidade? Em busca de quê? Em busca de uma profundidade que porventura nunca conseguiremos atingir completamente, mas na qual precisamos de nos sentir imersos. Há um horizonte mais amplo, para lá da resolução individual da minha existência: ficarei incompleto, alguma porção essencial de mim ficará por se desenvolver, se nunca tiver chegado verdadeiramente a confrontar o «meu breve vagar» com o «curso imortal».
Na língua latina, a palavra contemplação deriva da junção de dois termos: cum e templum, que indicava na antiguidade o espaço aberto nas cúpulas para que se interpretassem os sinais do futuro. Contemplar é não apenas introduzir uma benéfica lentidão no nosso olhar. É também colher o tempo da vida como um tecido relacional, uma intersecção dialógica que dilata ao infinito o sentido da nossa existência.
José Tolentino Mendonça, «Que fazes tu no céu, ó lua?»,
in E – A Revista do Expresso, 18 de julho de 2020, p. 90.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 01
No primeiro parágrafo, o autor cita Pavel Florenskij com a intenção de
(A) dar a conhecer um dos filósofos mais relevantes da atualidade.
(B) alertar para a importância de se lutar pela concretização dos sonhos.
(C) desvalorizar a efemeridade que caracteriza a vida humana.
(D) defender a necessidade de harmonizar a relação com o tempo.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 02
Ao longo do texto, o autor defende que a azáfama da vida ativa
(A) pode colocar em perigo a saúde do ser humano.
(B) pode impedir o ser humano de se realizar plenamente.
(C) constitui um obstáculo incontornável à luta pela sobrevivência.
(D) exclui qualquer possibilidade de reflexão sobre a vivência do tempo.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 03
De acordo com o texto, o ser humano, por norma, coloca em primeiro lugar
(A) a qualidade de vida.
(B) o mundo espiritual.
(C) o mundo material.
(D) a liberdade pessoal.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 04
Do ponto de vista do autor, a arte de saber viver consiste em
(A) apostar na busca do bem-estar quotidiano.
(B) conciliar o trabalho com a contemplação.
(C) dedicar-se sobretudo a uma vida espiritual.
(D) encontrar tempo para a interação humana.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 05
Ao recorrer às expressões «alta febre» (linha 6) e «nos atira borda fora da nossa própria embarcação» (linha 7), o autor utiliza
(A) a metáfora para evidenciar a intensidade da pressão do tempo, no primeiro caso, e a hipérbole para enfatizar os efeitos perniciosos do tempo, no segundo caso.
(B) a hipérbole para enfatizar os efeitos perniciosos do tempo, no primeiro caso, e a metáfora para evidenciar a intensidade da pressão do tempo, no segundo caso.
(C) metáforas para evidenciar a intensidade da pressão do tempo, no primeiro caso, e os efeitos perniciosos do tempo, no segundo caso.
(D) hipérboles para evidenciar os efeitos perniciosos do tempo, no primeiro caso, e a intensidade da pressão do tempo, no segundo caso.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 06
A oração «que aquela hora não tornará jamais» (linha 5) é
(A) subordinada substantiva relativa, com função de complemento direto.
(B) subordinada substantiva relativa, com função de complemento do nome.
(C) subordinada substantiva completiva, com função de complemento oblíquo.
(D) subordinada substantiva completiva, com função de complemento do adjetivo.
EXAME NACIONAL - QUESTÃO 07
A utilização da expressão «de facto» (linha 5) e do pronome «tua» (linha 28) contribui para a coesão
(A) gramatical interfrásica, no primeiro caso, e gramatical referencial, no segundo caso.
(B) gramatical interfrásica, no primeiro caso, e lexical por reiteração, no segundo caso.
(C) gramatical frásica, no primeiro caso, e gramatical referencial, no segundo caso.
(D) gramatical frásica, no primeiro caso, e lexical por reiteração, no segundo caso.
GRUPO III
EXAME NACIONAL
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, faça a apreciação crítica da pintura A Engomadeira, da autoria de José de Almada Negreiros.
O seu texto deve incluir:
– a descrição da imagem apresentada, destacando elementos significativos da sua composição;
– um comentário crítico, fundamentando a sua apreciação em, pelo menos, três aspetos relevantes e utilizando um discurso valorativo.
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2021/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há que atender ao seguinte:
− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
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